“Me
ensine a rezar, não lembro mais”. Para a pedagoga aposentada, Vera Aziz, 61
anos, esse foi o momento mais doloroso. Quando ela percebeu a evolução do
quadro de um possível Mal de Alzheimer em seu pai, Manoel Coelho, 88 anos.
Tentar fazer uma oração e não conseguir. Esquecer como se reza, é perder-se
dentro de si mesmo, afirma Vera. “Aproximei-me e rezei em voz alta o Pai Nosso.
Ele foi repetindo a oração, assim como fazemos com as crianças, como um dia,
certamente, fez comigo”.
Vera
diz que, em muitos momentos, envelhecer implica em comportamentos que são
encarados como teimosia e birra. Desde aquele dia, ela vem sentindo cada vez
mais a necessidade de desabafar sobre a dor que tem consumido seu tempo, forças
e alegria. “Moramos juntos e o cotidiano é vivido plenamente, com as demandas
exigidas pelo uso diário de medicações, cuidados com a higiene e alimentação
controlada. Não sei bem o que é pior: ausentar-se da vida ou viver ausente”,
diz. Hoje, apenas um radinho de pilha, mal sintonizado, é capaz de despertar o
interesse de Sr. Manoel, como se esse fosse o último elo a conectá-lo ao
presente. “Às vezes, ele até que tenta juntar fragmentos da memória nos
delírios”. Para ela, foi difícil entender as alterações no comportamento do
pai. “E como brigamos nesse período! A fragmentação da memória, a ausência de
atenção, a demência, o déficit da cognição, transformaram meu pai, antes tão
esperto, forte, corajoso, em uma pessoa que se ausenta cada dia mais do
convívio familiar, que perde cada dia mais a autonomia e que, recentemente, começou
também a perder as palavras...”
DESGASTE
O
Mal de Alzheimer caracteriza-se pela perda gradativa da capacidade em manter
memórias recentes e adquirir novos conhecimentos. Esta enfermidade provoca
ainda distúrbios de comportamento, que vão da apatia à agressividade. “O
desgaste físico e emocional em que vive o parente de um portador de Alzheimer é
muito grande”, observa Beila Carvalho, vice-presidente da Associação Bahiana de
Parkinson e Alzheimer - ABAPAZ. E é justamente nesse momento que costuma entrar
na vida da família do portador de Alzheimer a figura do cuidador.
Para
a Cuidadora Elizete Pinheiro Gomes, 33 anos, é necessário amor, paciência e, claro,
gostar muito do que faz, por que o idoso perde suas referências e precisa de atenção,
carinho e cuidado, e não há como evitar o apego. “O paciente passa a fazer parte
do nosso mundo afetivo”, diz a Cuidadora.
Elizete, conta que entrou na profissão por acaso. Estava desempregada e surgiu a oportunidade de tirar as férias de uma pessoa que cuidava de uma idosa de 103 anos de idade. Dali para frente, a cuidadora tomou gosto e descobriu sua real vocação. Iniciou um curso em uma escola Municipal no bairro da Ribeira, mas não pode concluir por que o curso foi fechado. Trabalhou como voluntária no Lar Monte Alverne, em Brotas, uma casa de idosos, só de mulheres e mantida pelos padres franciscanos. Segundo ela, ali aprendeu muita coisa. Hoje trabalha cuidando de Sr. Anselmo de Andrade Campello, de 84 anos, e se diz realizada com o trabalho que faz.
O Cuidador se transforma então em uma espécie de “ponte” afetiva e material entre o idoso, a família e o médico, conforme nos conta Isa Valois, filha de Anselmo Campello, 84 anos. “Seria impossível ter uma vida normal sem a presença de uma cuidadora de confiança, e Elizete é a extensão de nosso coração, de nossos braços, de nossos olhos e de nosso amor”, resume.
LONGEVIDADE
Como
a expectativa de vida tem aumentado, segundo dados do IBGE, relatos como esses,
e muitos outros, têm sido mais frequentes já que com o maior desenvolvimento do
Brasil, a medicina, os cuidados, as informações sobre alimentação, saúde,
saneamento têm oferecido condições para a longevidade. Dados do Instituto, afirmam
que o crescimento da população com idade acima de 70 anos, no intervalo de dez
anos, entre 2000 e 2010, foi de mais de dois milhões e oitocentos mil idosos em
todo o Brasil. E os especialistas afirmam que essa população necessita manter hábitos
saudáveis de alimentação, exercícios físicos, hábitos intelectuais e sociais,
como uma maneira de proteção ou retardamento das doenças neurodegenerativas.
Em
Salvador existe uma instituição sem fins lucrativos, a ABAPAZ, que abraçou a
missão de apoiar, orientar e informar a sociedade sobre essas doenças. A
instituição não só conscientiza para o envelhecimento saudável, como para a
prevenção da saúde física e mental, além de capacitar os cuidadores.
Já
para Vera Aziz, o desabafo vai além das necessidades diárias que implicam as
doenças. Saber lidar com o silêncio, a ausência requer uma sensibilidade muito
especial, e diz: “Quando esse momento chegar à minha vida, quando as palavras não
mais se manifestarem, espero merecer a paciência de alguém, que traduza meus desejos,
identifique minhas necessidades e me empreste a voz, alguém a quem eu também
possa pedir que me ensine a rezar”.